A glossolalia, ou “dom de línguas”, é um tema que desperta grande interesse e controvérsia no meio cristão. Este artigo busca analisar esse fenômeno à luz da doutrina reformada, fundamentada nas Escrituras Sagradas, com o objetivo de esclarecer sua natureza, propósito e relevância na igreja contemporânea.
Definição e Contexto Bíblico
Glossolalia refere-se ao dom espiritual de falar em línguas concedido pelo Espírito Santo, como registrado no Novo Testamento. Em Atos 2, no dia de Pentecostes, os apóstolos falaram em línguas entendidas por pessoas de diversas nações, glorificando a Deus. Este evento foi um marco no início da expansão missionária da igreja.
Já em 1 Coríntios 12-14, o apóstolo Paulo aborda o uso desse dom na igreja de Corinto. Ele enfatiza que, embora seja legítimo, o dom de línguas deve edificar a igreja, sendo acompanhado de interpretação (1 Co 14:5, 27-28). Paulo também destaca que o amor, e não os dons, é o caminho mais excelente (1 Co 13).
Interpretação na Doutrina Reformada
A doutrina reformada considera a glossolalia dentro do contexto da revelação bíblica e do propósito redentivo de Deus. As seguintes observações são pertinentes:
- Dom Temporário e Significativo
Reformadores como João Calvino entendiam que os dons extraordinários, como o de línguas, tinham um papel específico na era apostólica: confirmar o evangelho e estabelecer a igreja (Hebreus 2:3-4). Assim, sua manifestação visível foi gradualmente cessando após o período dos apóstolos. - Clareza na Comunicação do Evangelho
O propósito principal do dom de línguas era proclamar o evangelho em línguas humanas inteligíveis, como ocorreu no Pentecostes. A doutrina reformada rejeita práticas que enfatizem experiências místicas desconectadas da edificação da igreja ou da clareza da mensagem bíblica. - Autoridade das Escrituras
Reformados sustentam que a Palavra de Deus é suficiente e completa para a edificação e direção da igreja (2 Timóteo 3:16-17). Qualquer prática, incluindo a glossolalia, deve ser avaliada à luz das Escrituras e não se sobrepor à centralidade do evangelho.
Práticas Contemporâneas e Advertências
Nas igrejas pentecostais e neopentecostais, a glossolalia frequentemente é promovida como sinal essencial de espiritualidade. A doutrina reformada adverte contra essa ênfase desproporcional, que pode desviar o foco do evangelho para experiências subjetivas.
Além disso, práticas desordenadas, como manifestações sem interpretação ou sem edificação da comunidade, são contrárias à instrução bíblica (1 Co 14:33, 40). Paulo adverte que Deus é um Deus de ordem e não de confusão.
A Centralidade do Espírito Santo
Enquanto reformados reconhecem que Deus pode agir de maneira extraordinária, enfatizam que o Espírito Santo opera principalmente por meio dos meios ordinários de graça: pregação da Palavra, sacramentos e oração. A verdadeira evidência da presença do Espírito na vida do cristão não é a glossolalia, mas frutos como amor, alegria, paz e domínio próprio (Gálatas 5:22-23).
Conclusão
A doutrina reformada valoriza o dom de línguas em seu contexto bíblico e histórico, mas mantém que ele teve um propósito específico na igreja primitiva. A prioridade para a igreja contemporânea é a pregação fiel do evangelho, o cultivo dos frutos do Espírito e a edificação mútua em amor.
A glossolalia, quando corretamente compreendida, aponta para a grandeza de Deus e Sua obra redentora. Contudo, práticas que desviam o foco de Cristo ou geram desordem na igreja devem ser evitadas, para que tudo seja feito para a glória de Deus (1 Co 10:31).
Por fim, que possamos buscar dons espirituais com discernimento, lembrando que o maior deles é o amor.