Vivemos em uma época em que o discurso motivacional, o pensamento positivo e a busca incessante por “vibrações boas” têm se tornado quase que um dogma cultural. Expressões como “pense positivo”, “vai dar tudo certo”, “afaste qualquer pensamento negativo” e “fale só coisas boas” estão presentes em todos os lugares — das redes sociais às conversas cotidianas. Contudo, quando essa postura ignora ou suprime a realidade da dor, do pecado, do sofrimento e da queda, ela se torna positividade tóxica.
Sob a ótica da doutrina reformada, que tem como alicerce a soberania de Deus, a suficiência das Escrituras e a correta compreensão da condição humana, a positividade tóxica não apenas é insustentável, mas também contrária ao verdadeiro evangelho de Cristo.
O Que é Positividade Tóxica?
Positividade tóxica é a imposição de uma mentalidade excessivamente otimista, que rejeita ou invalida qualquer expressão de dor, tristeza, sofrimento ou desconforto. Ela obriga indivíduos a mascararem suas dificuldades em nome de uma felicidade artificial, como se o desconforto e a dor fossem sinais de fraqueza ou falta de fé.
A frase não dita, mas muitas vezes sugerida, é:
“Se você está triste, preocupado ou aflito, é porque está pensando errado, falando errado ou atraindo coisas ruins.”
Essa mentalidade se aproxima perigosamente da chamada confissão positiva, uma heresia refutada pela teologia reformada, que pressupõe que palavras e pensamentos têm poder criativo semelhante ao de Deus — ideia totalmente antibíblica.
A Doutrina Reformada e a Realidade do Sofrimento
A teologia reformada parte do pressuposto bíblico da queda do homem (Gênesis 3). O mundo não está em seu estado ideal. Ele foi afetado profundamente pelo pecado, trazendo consequências como dor, sofrimento, morte, doenças e dificuldades (Romanos 8:20-22).
Portanto, a Bíblia não ignora a dor, tampouco ensina que o cristão deve suprimir sua tristeza. Pelo contrário, encontramos nas Escrituras:
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Salmos de lamento, onde o salmista chora, questiona, clama e expõe sua angústia (Salmo 13; Salmo 42; Salmo 88).
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Jesus chorando diante da morte de Lázaro (João 11:35).
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O apóstolo Paulo aflito, dizendo estar atribulado, perplexo e perseguido (2 Coríntios 4:8-9).
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Cristo no Getsêmani, profundamente angustiado e abatido até a morte (Mateus 26:38).
A cosmovisão bíblica e reformada não exige que o cristão negue seu sofrimento, mas que o enfrente com esperança em Deus, sabendo que Ele é soberano e suficiente, mesmo em meio às tribulações.
Por Que a Positividade Tóxica é Perigosa?
1. Deturpa o caráter de Deus
Reduz Deus a um mero cumpridor dos desejos humanos, como se Ele existisse para garantir nosso conforto terreno.
2. Nega a doutrina da soberania de Deus
Ao colocar o “poder do pensamento” no centro, ela rouba de Deus o governo da história e transfere para o homem uma soberania que lhe é impossível.
3. Desumaniza a experiência cristã
Faz com que os cristãos sintam vergonha da tristeza, da ansiedade e da dor, levando-os a um falso moralismo emocional.
4. Alimenta uma espiritualidade superficial
Substitui o arrependimento, a confissão de pecados, a dependência da graça e a esperança escatológica por mantras de otimismo vazio.
A Resposta Bíblica: Esperança Realista e Não Ilusória
A doutrina reformada ensina que o crente vive entre dois mundos:
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Este mundo caído, cheio de dores e limitações.
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E a esperança da glória futura, onde Deus enxugará dos olhos toda lágrima (Apocalipse 21:4).
Portanto, não somos chamados a fingir que tudo está bem, mas a crer que Deus está conosco, mesmo quando tudo vai mal. A verdadeira esperança não nega a realidade, mas a encara à luz das promessas de Deus.
O apóstolo Paulo resume isso de forma magistral:
“Entristecidos, mas sempre alegres.” (2 Coríntios 6:10)
Aqui não há fingimento. Existe dor, mas também uma alegria que transcende as circunstâncias, porque está enraizada em Cristo.
Conclusão
A positividade tóxica é uma falsificação da verdadeira esperança cristã. A teologia reformada, fundamentada na Escritura, nos convida a viver uma vida cristã honesta, que reconhece o sofrimento, chora as dores do mundo, mas ao mesmo tempo descansa na soberania, na bondade e nas promessas de Deus.
O crente não vive de mantras, nem de afirmações vazias, mas da certeza de que, mesmo nas tribulações, “Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente na angústia.” (Salmo 46:1)